sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Augusto Alberto: A competição no desporto adaptado já não é para meninos"


Entrevista
Texto: Alex Campos
Fotos: Augusto Alberto e Alex Campos

Depois da sua terceira missão olímpica, (Jogos Paraolimpicos de Pequim/2008, Jogos Olímpicos da Juventude/Singapura 2010 e Jogos Paraolimpicos /Londres 2012), Augusto Alberto, depois de nos contar algumas histórias acontecidas na capital britânica, acedeu a falar-nos na primeira pessoa. Sobre si, os jogos, a sua atleta e a situação do desporto adaptado e o outro, no nosso país. Situação pouco recomendável, pelo que se depreende. É uma conversa desassombrada.
Aí vai:


- O que dizes dos jogos? Foram um sucesso?
A. A. - Os Jogos foram, sem dúvida, uma enorme manifestação desportiva e social. Desse ponto de vista, os ingleses estão de parabéns. Aliás, creio que nenhum londrino deixou de passar nesses dias pelo parque olímpico. Na última semana, a Londres foi oferecido um tempo de Verão magnífico e, ainda por cima, para os padrões da Ilha, muito longo, e, como é usual, os londrinos e em geral os britânicos, não desperdiçam um tempo assim.

Diariamente, o parque olímpico era visitado por milhares de pessoas. Famílias inteiras, aparelhadas com o almoço volante, estendidas nas magníficas e longas áreas de relva. Nesses locais era possível ver em ecrã gigante tal ou tal competição e, simultaneamente, desfrutar de múltipla animação. Os vários recintos de competição estiveram sempre completamente lotados. O muito funcional estádio olímpico, a belíssima obra de arquitectura e engenharia da piscina olímpica e demais recintos, como na caso do ténis em cadeira de rodas, o pavilhão da esgrima, uma verdadeira parafernália de tecnologia que muito me comoveu, passando pelo goal-ball, uma verdadeira surpresa, o pavilhão do basquete em cadeira de rodas, uma das modalidades mais requisitadas, tal como o voleibol no solo, uma autêntica delicia.
Evidentemente que não estive em todas as modalidades. Sobretudo, faltou-me uma, o ciclismo. Do meu remo, não esperaria outra coisa, a não ser uma enorme fila de londrinos amantes dos barcos. Não me enganarei se disser que o remo teve nos 3 dias, em média, 5.000 pessoas a assistir ao melhor do remo paraolímpico.
Foi voz corrente pelo espaço olímpico, haver mais gente nos Jogos Paraolímpicos do que nos Jogos Olímpicos. Provavelmente não será alheio o apelo feito pelas autoridades, para que Londres fizesse dos Jogos Paraolímpicos um momento único e porque também, com toda a certeza, o preço dos ingressos foi mais acessível.

- O Parque Olímpico e a Aldeia…
 A. A. - O parque olímpico foi uma boa combinação entre a arquitectura paisagística e ambiental e a funcionalidade, o que permitiu o convite ao prazer de fruir os espaços, como já referi. A piscina olímpica, do ponto de vista da arquitectura, leva vantagem sobre todas as outras estruturas. Muitas delas amovíveis e que desaparecerão, para dar lugar a descampados que serão ocupados no futuro de outro modo. Aliás, esta foi uma solução muito bem conseguida e que permitiu baixar muito os custos de construção. O também belíssimo pavilhão de basquetebol irá por inteiro ser deslocado para os Jogos do Rio de Janeiro, em linha com essa óptima solução de redução de custos. 

A Aldeia, que foi o lugar de residência para cerca de 12.000 pessoas durante o período áureo dos Jogos, e que será dentro em breve uma enorme zona residencial, foi muito cómoda e funcional. Construída a pensar numa população da classe média baixa e habitação social, foi construída um pouco à semelhança das soluções do socialismo soviético, então muito gozada e glosada, mas que parece afinal ser uma solução adequada para resolver, a custos sociais razoáveis, as necessidades de habitação de enormes massas de população que procuram a grande urbe para realizar os sonhos de uma vida mínima. Quem diria!
Por outro lado, os cuidados em oferecer tranquilidade e a qualidade adequada a uma vida na Aldeia, a milhares de pessoas, obrigou a cuidados extremos, tanto do ponto de vista médico como alimentar. Apesar de se servirem no restaurante, mais de 30.000 refeições diárias, não houve nota da mínima complicação.
Os voluntários, cerca de 4.000, foram de uma amabilidade e eficácia, como é natural numa manifestação com esta dimensão. Muitos, tal como em Pequim, sofrerão no primeiro tempo, o sintoma de orfandade, porque ninguém se despede de dias assim, sem uma lágrima e uma longa saudade. E a segurança, amável também e muito visível, para que não restassem dúvidas. Aliás, todos os que utilizaram a Aldeia, sabem bem como funcionou o rigor e a disciplina.

Diferente de Pequim, esta aldeia.
A.A. - Pelo que já expliquei, Pequim, tanto do ponto de vista do espaço olímpico como do espaço da Aldeia, leva clara vantagem. Sobretudo, a Aldeia de Pequim, foi uma espécie de jardim do Éden. Mas o modo como Londres funcionou e a forma como os londrinos receberam estes Jogos, não é de modo nenhum para esquecer.
   
Das cerimónias de abertura e encerramento, o que dizes?
 A. A. - As duas cerimónias estiveram à altura dos acontecimentos e foram momentos únicos. Mas quero referir que a cerimónia de encerramento, do meu ponto de vista, foi simplesmente admirável. Ao combinar o fantástico, com o som, a luz e o fogo, provocou em quem esteve dentro do estádio, momentos únicos.
   
A qualidade da competição foi a esperada?
 A. A. - Confirma-se o que se tinha como verdadeiro e é voz corrente. Pequim deu um enorme empurrão ao melhor do desporto adaptado e Londres prolongou a visão do alto rendimento em homens e mulheres com alguma deficiência. Não podes ficar alheio ao alto nível de desempenho de um sujeito sem braços, que nada tão rápido, que nos surpreende. Ou de uma anã, que é uma autêntica máquina de nadar. Ou atletas que atingem velocidades de ponta, altíssimas, com pernas em lâmina. Ou homens que, em cadeiras de rodas, jogam rugby de um modo tão dinâmico, que nos deixa espantados. E sobretudo, o que mais me impressionou, a precisão de judocas completamente cegos, capazes de golpes e sequências que nos deixam de boca aberta. A competição no desporto adaptado já não é para meninos.
    
Então, como vês o futuro do desporto adaptado português, nesse contexto?
A. A. - A este nível a competição não é para meninos e por isso, no actual quadro da sociedade portuguesa, receio que futuras participações se tornem residuais. Já no Rio de Janeiro. Ou seja: se não se perceber que ali vai estar alto rendimento, os nossos meninos, utilizando uma linguagem muito popular, irão para a degola. E não ver subir, no mínimo, algumas vezes a bandeira, faz muito, mesmo muito mal.
Por outras palavras: se não se perceber que os resultados de vanguarda, a este nível, potenciam o ingresso na actividade física, nem que seja ao nível da competição mais leve e nacional, a mais cidadãos portadores de deficiência, melhorando por essa via a sua qualidade de vida, é colocar este segmento de portugueses, ainda mais na penumbra. Nem todos chegarão ao alto rendimento, como é normal, mas os que lá chegarem, mobilizarão com certeza mais gente para uma melhor qualidade de vida e darão, desse modo, a força necessária aos que se dedicam à área do desporto adaptado, forças para continuar. De todo o modo, as coisas caminham para a desconfiança.

Repare-se que a média de idade dos atletas que compuseram esta missão a Londres é já muito alta. Alguns fizeram a sua quarta missão. Por isso, urge procurar outros cidadãos, com idades mais baixas para o processo. Dou dois exemplos: Ellie Simmonds, o ícone britânico da natação adaptada, que arrebata paixões pela Ilha, fez multiplicar o número de praticantes na área da deficiência, nas piscinas; e a equipa russa de futebol de sete só consegue apresentar um perfil de excepção porque todos os atletas estão institucionalizados. Isto permite, treinar de manhã, ao meio dia, à tarde, à noite e no caminho, colocando-os no nível de excelência e ao mesmo tempo, aumentar o número de cidadãos nesta área do futebol.
As coisas estão identificadas. A questão é saber que meios vão existir. Não creio que num país em que muitos cidadãos já hoje vivem com salários pouco acima de 300 euros, com uma taxa de desemprego nunca vista, em que se multiplicam os bancos para tudo, para matar a fome ou mesmo para aquisição de livros escolares... num país que se tornou em pouco mais de 30 anos, numa colossal misericórdia, que debita a caridadezinha, como ocorrência normal, se tenha soluções adequadas para os cidadãos com deficiência. Ou se nasce rico, ou então, vai-se andando.
Aliás, quero, desassombradamente, dizer que não me enganarei se disser que o próximo ciclo olímpico e paraolímpico, que deverá ter inicio já em Novembro ou Dezembro, vai começar em Janeiro de 2015, à pressa e titubeante. E depois, lá voltaremos ao velho fado.
   
Este ciclo acabou, também, para ti?
A. A. - Eu cá estou, evidentemente, muito confortável e de consciência muito tranquila. Com o sentimento de estar bem com a modalidade que escolhi nos últimos 35 anos da minha vida. Ando por onde andam todos os reformados da Figueira. Pela avenida. Pela praia e nas voltas à serra. Simplesmente! Nada de dramas.
    
Mas então, as coisas terminam assim?
A. A. - Pelos vistos. Aliás, aproveito para dizer que ainda estava em Londres, já tinha em casa a minha carta de despedimento. Ao cabo de mais de 15 dias, após o regresso, nem um contacto. Que importa que tenha dado 22 dias úteis por mês, durante 4 anos, e os tenha retirado à família, para poder levar o remo adaptado a Londres? Que importa que tenha investido muito do meu dinheiro, na ajuda à preparação da minha atleta, sem que tenha ainda sido ressarcido? Pelos vistos, tratar comigo, que levei o remo a uma missão olímpica, pode ser o mesmo que tratar com alguém que foi em excursão a um santuário mariano.

Mas pensas continuar ligado à modalidade, na Figueira?
A. A. – Não! Para além de haver lodo no cais, anda por ai muita gente também equivocada. Exactamente por isso declinei voltar ao remo da Figueira, onde tudo começou, e onde teria todo o gosto em acabar. Há gente nos clubes a quem o poder cega e julga poder usar de todos os truques para atingir os seus fins. Muitas das vezes, na cabecinha, putativos ajustes de contas. E pior ainda. Esquecem que há pessoas que deram ao clube esforço e glória. Tenham, inclusive, andado por terras tão longínquas e nunca tenham esquecido o clube, onde durante anos, qualificaram e tornaram adulta a modalidade que escolheram e por essa via, a instituição por onde passaram. E que apesar disso, são esquecidos em momentos únicos, como se fosse possível descartar, e depois ainda terem a pretensão de condicionar as suas opções pessoais. O que eu quis dizer quando declinei o convite, foi o seguinte: que na vida não vale tudo para atingir os fins e que quem não se sente, não é filho de boa gente. E por fim, que não me deixo aprisionar.
    
E a Filomena vai continuar?
A. A. - A minha modalidade, o Remo, e a atleta, Filomena Franco, foram a razão da minha presença em Londres, evidentemente. A Filomena portou-se lindamente. Disciplinada, estóica e com muito bom desempenho físico e táctico.

O resultado final, o 10º lugar entre 12 atletas, é o lugar certo no contexto da sua competição. Sem a sua parede abdominal e sem os seus músculos lombares, como bem explicou numa entrevista no final da sua competição, a Filomena é sempre muito penalizada. Até porque o grau de lesão da maior parte das suas colegas de competição, não se coloca ao nível da lesão verto-medular. Devo dizer que em referência aos Jogos paraolímpicos, que existem maneiras diferenciadas de os abordar. Ou se admite as regras do jogo, sabendo que o grau de lesão de cada atleta decide muito do resultado final, e se entra naquele enorme movimento universal, de onde se sai sempre com enorme saudade e mais rico, ou então, se se tem a pretensão também do resultado como elemento mobilizador, parte-se para o recrutamento orientado, na procura de atletas com o grau de lesão mais baixo, que partem com vantagem no contexto em que se compete, que é o contrário do recrutamento casuístico, que é em norma o que por cá se faz, em todos os segmentos da nossa vida colectiva, e que nos foi ensinado por esta cáfila das elites, deixando-nos sempre na miragem de que chegue um D. Sebastião ou que um camelo tenha a arte de passar pelo buraco da agulha.
Quem muito dorme pouco aprende, conclui-se. Deste ponto de vista, pessoalmente, acho que em tal ou tal momento, de facto, os Jogos Paraolímpicos são uma pequena parlapatice quanto a gradação do resultado. A oportunidade de viver o ambiente por dentro e, sobretudo, aprender ainda muito mais sobre a vida e as pessoas, não nos deverá deixar ficar pela omissão. E desse ponto de vista, a Filomena, esteve perfeita. Acrescento, ainda, que a Federação Portuguesa de Remo, não deverá deixar a Filomena acabar sem uma palavra. Ela prestou um enorme serviço ao remo e o remo deverá obrigatoriamente ter uma atenção especial com a atleta.
Ainda sobre o nível da competição. A atleta que foi medalha de bronze no barco da Filomena, foi em Sidney-2000, medalha de prata nos 5.000 metros. Um estúpido acidente atirou-a para uma cadeira de rodas, que domina como nunca vi ninguém dominar. Em 2008, nos Jogos Paraolímpicos de Pequim, foi medalha de bronze, o mesmo resultado que obteve agora em Londres. E no intervalo, ainda foi medalha de bronze e ouro nos últimos Jogos Paraolímpicos de inverno, no esqui de fundo. É obra e diz bem da qualidade da competição.


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