Augusto Alberto
Estava na guerra. Em Nampula. Tive um amigo que deixei de
ver, com pena minha, já lá vão 38 anos. Ambos fomos sócios do cine-clube local,
instituição onde se reuniam os que tinham na acção, nas colónias, o
anticolonialismo e o antifascismo.
Para espanto comum, em 1972, demo-nos a assistir a um ciclo
colossal do cinema soviético. De Sergei Einstein a “Linha Geral” e o “Couraçado
Potemkine”, “A mãe”, sobre o romance
homónimo de Gorki, de Vsevolod Pudovkin. E ainda um magistral ciclo do cinema
francês. Não mais esqueci, de Julius Dassin, “Rififi”, obra-prima do cinema
noir. Ou ainda, o ciclo de cinema sueco, os “Morangos silvestres” de Ingmar Bergman. Uma lança, em
pleno coração colonial.
Eu recebia a “Seara Nova” e ele o “Comércio do Funchal”.
Único, porque o papel era meio alaranjado e com escrita meio tola, (andava por
ali gente esquerdóide), que muito nos divertia. Entretanto, trocávamos. Pela
via da leitura, descobrimos as reflexões de Amílcar Cabral e ficamos, como é
natural, muito surpreendidos. Respigo dessas reflexões, o que diz assim: “A
Guiné Portuguesa é uma “comarca”, sub-distrito judiciário integrada no distrito
judiciário de Lisboa”. E ainda as suas reflexões sobre o imposto de “palhota”,
que era recolhido contra a vontade dos nativos, pelo régulo, nem que fosse com
porrada. Isto é colonialismo!
Do mesmo modo é colonialismo o que cai sobre a pátria onde
nascemos e vivemos, porque são os “técnicos” do banco europeu, e do FMI, quem
vai decidir de como vai ser o nosso “estado social”. Somos, em termos
absolutos, também uma sub-comarca, da comarca mãe com sede em Bruxelas ou em Bona. Merkel pode ser
a “patroa” colonial a quem devemos vassalagem e pagamos juros agiotas, que são
uma espécie do nosso “imposto de palhota” e tipos como Passos Coelho, Portas ou
António Seguro, (que porra de brinca na areia), são os régulos da funesta
história.
Em Nampula, eu e o furriel Diamantino, muito jovens,
reflectíamos muito sobre as coisas. Pela nossa borda, caminhava um jovem, que
não lembro o nome, evidentemente, que costumava comentar as nossas conversas,
com um “não me meto nessas coisas”. “Estou aqui para fazer a minha comissão de
24 meses e depois regressar. Independente, nem sequer tomo partido”. Muito bem!
Até que um dia, o jovem identificou-se e a coisa descambou.
Nesse dia, o jovem já não disse “nem sequer tomo partido”. Disse: “quando
acabar a minha comissão e regressar a Lisboa, vou alistar-me como agente da
PIDE”. Foda-se! Acabou-se a companhia. O jovem, independente, era fascista.
Esta história é verdadeira e acerca dela podereis dizer que
está levada ao exagero. De qualquer maneira, é certo dizer que já há 40 anos os
independentes eram muito previsíveis.
Moral da história: os independentes acabam sempre por tomar
partido. Com a particularidade de que, nas boas horas, alguns gostam de fabular.
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