Augusto Alberto
“ … Os impostos haviam levado à ruína o comércio. Alguns negociantes
ocultavam as suas mercadorias à espera de melhor ocasião. Tudo encarecera.
Ninguém possuía dinheiro. O trigo apresentava mistura de coisas imundas, a
carne continha bichos. Até o peixe parecia mais pequeno e mais magro…Nos
mercados só se vendiam inutilidades…Na vasta cidade apenas murmuradores e
ociosos”.
Parece-lhe que assenta de corpo
inteiro na sociedade onde vive. Pois parece. Mas para seu espanto, o que aqui
se escreve, é sobre uma sociedade feudal do final do século XVII. Aconselho-o a
ler, de Alex Tolstoi, Pedro o Grande. É um fresco admirável sobre como os povos
penam e as elites se comportam com total desvario. A coisa é séria.
Três séculos passados, na nossa Terceira
República, os boiardos de cá, corpos corruptos e sem freio, após construírem o
seu mundo administrativo e jurídico, também se acham no direito de tratar as
pessoas como animais. Não duvide. Percorra a grande cidade ao cair da noite, ou
levante-se cedo e percorra-a pela manhã. Verá como se espalham pela grande cidade
gente rota e façanhuda.
Na grande cidade paga-se a
entrada no Teatro Nacional, não com dinheiro, mas com uma lata de atum mais uma
lata de salsichas, ou pacote de açúcar, para assistir à peça que fala exactamente
dos mendigos que dormem nas arcadas do Teatro Nacional. E depois, vá mais
dentro, ao país remoto, e verá como nos cafés e nas tabernas, vegetam os
ociosos. Sem trabalho. À rasca, porque ora se é muito novo para ir para a
reforma, ora se é muito velho para trabalhar. O que fazer? Borregar pela cantos
ou encostar a barriga ao balcão, beberricando uma cerveja ou o café do dia,
gastando serodiamente o rendimento mínimo ou o subsídio de desemprego, se
houver. Acender um cigarro, para acalmar, e não perceber sequer o que está a
suceder. Talvez alguma conversa, que fale sobre um tempo em que se abalava
pelas 3, 4 horas da manhã para Espanha, para trabalhar nas obras e se regressava
a casa, após o trabalho, na sexta-feira seguinte. Mas acabou!
Em Espanha as obras estão paradas
e em Portugal, também. O país dos pedreiros, da delirante construção urbana,
está bloqueado. O que fazer? Não sabem. Esperar ociosamente, que a crise
termine. Mas como? O capital não emprega pessoas a granel. Não entendem que a
crise não é coisa vaga. É a crise do sistema capitalista. Ainda que as estórias
benfazejas sejam sopradas por arautos bem remunerados, sobre recuperação e idas
aos mercados. Milongas!
Partem aos milhares. Não com a
mala de cartão, mas com o diploma de um curso superior, enquanto pelo amado país
ficam de rostilhão pelo chão, pedreiros, gente da malha, electricistas,
soldadores, vendedores de apólices e de sonhos, e muito tipo com a mania do
snobismo, que até há pouco se sentia como peixe na água. Há casas por todo o
lado que vendem o jogo da raspadinha e é uma vergonha que se vá buscar o
“velho” ao lar, para que a parca reforma possa mitigar a fome ao filho e aos
netos. Está actual o que um dia disse Churchill: “Em
Portugal, metade da população vende jogo e a outra metade habilita-se ao prémio”.
Boiardos de Portugal, sois uma
vergonha. Cheirais mal.
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