quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

“As gafeiras” no paraíso*

Augusto Alberto


 Era hora do chã, e um grupo de “tias” tomava o das cinco. Eu também estava presente e logo coquei a enfática conversa e os concomitantes disparates.
-Imaginem -  disse uma, que tinha cabelo volumoso e langorosos traços de rímel – uma mulher arreliada com os preços das coisas e a reclamar que não tinha dinheiro para a compra. Gesticulava que era preciso acabar com isto e promover um sobressalto. E como? Imaginem! Votar na CDU. Nos comunistas! Confesso que até me assustei. Não fosse a mulher, naquele instante, ter a ousadia, também, de me tratar por camarada. Longe vá o presságio. Prefiro viver 100 anos debaixo do mando da troika, do que ver os comunistas com algum tipo de decisão…que despautério!
Não nos admiremos. É muito comum na histórias dos povos as elites fracassarem e esperarem que outros, vindos de longe, possam tirar as castanhas do lume. Foi assim quando a elite cedeu a soberania a Castela, e quando a coroa fugiu, deixando o povo maltrapilho a ser comandado por um inglês, que logo tirou as melhores do lume. E para melhor entendimento, informar, também, que a aristocracia e burguesia russa, atrapalhadas em 1917, aspiravam pela derrota militar e moral da Rússia perante as tropas alemãs do imperador Guilherme, para, como diziam…com a chegada dos alemães…chegar a lei e a ordem…E lembrar, também, que parte da elite francesa capitulou com o governo de Vichy.
Essas “tias” não sei quem são, evidentemente, mas não tenho a mínima dúvida em afirmar, que são “tias” da burguesia peralvilha, convictas dos actuais benefícios. Maior desigualdade na distribuição da riqueza. Os ricos, mais ricos, e os pobres, mais pobres, ainda que para isso se tenham verificado cedência ao capital estrangeiro, do melhor da produção nacional. Pagamento aos mercados (?), de juros usuários. Drástica desregulação das leis laborais, (por primeira iniciativa do P.S. e total complacência da UGT, a central sindical socialista), com custos seriíssimos para os trabalhadores. Baixa do custo unitário do trabalho. Aumento exponencial da emigração, ao nível da dos anos 60 do século passado. Acelerada desertificação do país. Desaceleração na natalidade, colocando riscos sociais e demográficos.
Dizia o cristão (?) cónego Melo, no intervalo da pólvora e traulitada, mancomunado com socialistas moderados (?), sociais-democratas (?), e cristãos (?), do CDS, à vez, ou por atacado, que a democracia e a soberania, são uma ova e um enfado.
E tomando a lembrança, disse, ainda, para rematar e sem prever, me danar, uma outra senhora, com unhas de gel e grosso anel: Se for preciso, aos insurrectos, dá-se-lhes chumbo.
     - Reagi! Então, dona! Isto vai-lhe a preceito, mas ainda não recuamos à “gafeira”. (Arquétipo, do criminoso Portugal fascista. - “Só no ano passado, emigraram da freguesia dezanove famílias inteiras, calcule Vossa Excelência”- Regedor da Freguesia, 1778). Em “Delfim”, de José Cardoso Pires.
- Não me diga, que o senhor, ai, é camarada?
- Sou sim e depois?
   

     * Não desligue, porque a história é verdadeira.

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