Augusto Alberto
Ser mineiro era duro já porque o esforço produzido era esgotante, mas mais duro se tornava porque um homem era obrigado a respirar horas a fio num ambiente saturado de um pó fino e negro que se desprendia do carvão e que com o tempo se depositava nos pulmões.
E lá no fundo o mineiro suado batia na rocha e com esforço respirava. Alguns deles, já com os pulmões atulhados de pó, continuavam batendo. Sufocavam. E num esforço enorme e bárbaro engoliam ar e pó.
E a picareta batia forte, cadenciada. O peito dorido arfava na ânsia de recolher o ar que alimentasse a vida. E de novo o pó amassado com o ar e a humidade corria até aos pulmões. De instantes a instantes era a tosse, ruído grave e cavado. Era a dor aguda no peito que não se escoava. E depois era o escarro, bola negra atirada ao chão ou colada na parede.
E as mãos segurando a cabeça, ou tentando amaciar o peito na procura vã de um alívio, a água choca bebida num trago na ânsia de ser bálsamo momentâneo.
Mas ciclicamente, em tempo curto, lá vinha o arfar, a tosse, o escarro e a dor no peito.
E o mineiro não parava num trabalho esforçado.
As horas passavam lentas e difíceis. Foram dias, semanas, meses e anos assim, num cansaço desumano. O corpo mirrava em velocidade acentuada, até que um dia a dor era tão cortante e as forças se esvaíam de tal forma que o homem já não podia mais descer à mina.
Acabada a mina chegava a humilhação, porque o sofrimento continua até ao dia final.
E o mineiro aparece a falar da humilhação de um forma simples e fria:
“Em 1965 fui reformado e obtive um subsídio, pelo pó, de 120$00 por mês. Durou o subsídio até 1968. Por esse tempo a companhia mandou-me a Lisboa para fazer exame. Lá fui. Apanhei um médico grosseiro e mau. Fez-me soprar uma quantidade de vezes para um aparelho. Estava a ver que não saía de lá. Estava cansadíssimo, já nem forças tinha para respirar.
Depois, passados uns dias, fui chamado à companhia.
E, ironicamente, prossegue o mineiro: - ia passar a ser mais rico. Passaram-me o subsídio de 120$00 para 110$00 por mês…
Mas, com ironia ou sem ela, a realidade é bem mais funda.
A ganância do lucro, o desrespeito pelo homem que durante anos e anos trabalhou como uma toupeira no fundo da mina para fazer a fortuna de uns tantos senhores, não merecia mais. Dez escudos ao mineiro, por mês, não faziam falta, mas à companhia, aí é que faziam falta! Ao que parece o pobre era a companhia e o rico o mineiro…
Esta é a parte humilhante de uma outra coisa dramática, a silicose. O mineiro tem a consciência disso e continua a sua história:
- Após o “25 de Abril” decidi ir ao Tribunal de Trabalho. Mandaram-me fazer novos exames. Passado um mês, recebi uma circular para ir a uma Junta médica. Lá fui e um dos médicos disse-me: - coma e beba que o senhor está arrumado. O senhor tem pó na percentagem de 100%. É o máximo que lhe poderemos dar.
Pouco tempo mais tarde, em nova circular, fui informado que o subsídio tinha subido de 110$00 por mês para 2800$00 mensais. Hoje recebo 3000$00.
O mineiro chorou de raiva. Percebeu como tinha sido roubado.
Nem o médico nem a companhia que ao médico deveria pagar grossas luvas tiveram escrúpulos em roubar de forma tão humilhante quem tão duramente trabalhou.
E se alguma dúvida existir acerca do humanismo de tal gente e do fascismo que os serviu, aqui fica mais um exemplo entre tantos outros.
Foi o”25 de Abril” libertador que veio repor, pelo menos dar um sentido mais humano, a uma situação tão humilhante e dramática. E o mineiro não esquece isso. Ele está por dentro do tempo.
Nem eu esqueço o motor, trabalho contínuo, que o mineiro possui bem no peito. É a sua silicose. O pó agarrado às paredes dos pulmões, assim como a lapa agarrada à sua pedra.
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