domingo, 4 de janeiro de 2009

Histórias de mineiros (IX)

Propaganda de Delgado no ventre da mina

Augusto Alberto


O regime fascista estava a passar por uma grave provação. O movimento de opinião e de massas em volta da candidatura do General Humberto Delgado estava a pôr em causa o futuro desse regime podre e sanguinário.
Por todo o lado a candidatura do General se fazia sem medo, em confronto directo com as normas do sistema.
No fundo dos poços, à boca da mina, os homens discutiam, davam e recebiam novidades. A candidatura do General também ali tinha chegado e para os mineiros constituía uma esperança numa mudança de vida.
A propaganda chegava ao fundo da mina trazida voluntariamente por homens anónimos, alguns deles animadores da vida sindical local.
Estes últimos tinham motivos sobejamente fortes para quererem a mudança, daí a sua voluntária participação no amplo processo de massas em curso.
O seu sindicato, criado recentemente, constituía um longo processo de lutas e de insistências. Foi uma árdua luta contra a castração a que o regime votava tudo o que fosse pólo da organização partidária. Daí a sua redobrada consciência.
A formação de um sindicato honesto, e limpo de homens ligados ao fascismo, não era fácil. Sindicatos só aqueles que o fascismo muito bem queria e com quem muito bem queria. E a verdade é que a malha era tão apertada que muito difícil era passar por ela.

Edifício entre a Rua da República e a Rua Manuel Fernandes Tomás, onde, numa sala do 1º andar funcionou a sede de candidatura do General Delgado.


Diz-me um dos homens que foi dirigente que as peripécias foram muitas:
- “Era preciso enviar ao Instituto Nacional de Trabalho a lista com os nomes e outros dados dos dirigentes sindicais eleitos previamente em assembleia geral. Recebidos os dados, o Instituto recolhia informações suplementares junto das Juntas, da polícia local e da anterior residência dos mineiros. E a seguir ditava a sua lei como se compreenderá.
Nós vimos rejeitadas direcções sucessivas sem qualquer explicação. Era-nos enviada a lista com os nomes traçados a vermelho e com uma frase curta e seca: rejeitados os nomes propostos. Ficávamos sem saber os motivos que levavam à recusa e nem sequer tentávamos saber porquê. Mas tantas vezes insistimos com novos nomes, ou com a simples repetição de alguns, que um dia conseguimos a legalização.
Não era fácil exercer a actividade sindical nesse tempo, mas fazíamos o que podíamos. E mesmo pouco que fizéssemos, era já muito…”.
E assim, com uma consciência bem forte, homens anónimos carregavam os folhetos, listas, etc., desde a Comissão de Apoio à candidatura, a funcionar num edifício da Rua da República, até ao ventre da mina.
Também por estes lados o fascismo, à boca das urnas eleitorais, foi derrotado, mas também por estes lados recorreu à trafulhice para conseguir sobreviver e, mais do que isso, pôr fim durante um longo período às liberdades e ao voto secreto e universal.
Depois disso, com a vitória desleal forjada na pessoa do espantalho Tomás, o regime fascista ultrapassou tudo quanto antes tinha mostrado em repressão. A vida do pequeno Sindicato dos Mineiros do Distrito de Coimbra tornou-se mais difícil, mas resistiu como pôde.
Regularmente, as visitas da PIDE, a constante busca de dados sobre os seus dirigentes, não fez esmorecer os mineiros. Ao que parece, a sua pequena sede ainda se mantém no mesmo local, com toda a documentação, mas agora apenas como recordação histórica.

1 comentário:

Fernando Samuel disse...

Tempos de luta muito especial, esses - que´é necessário recordar.

Um abraço.