sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Histórias paraolímpicas (I)


Augusto Alberto
    
 Ícones I

Calou-se o estádio. Estalaram os flashes e o tiro soltou-se. Teresinha empurrou os blocos e correu com a bruma e como nunca. Aos 100 metros, impelida pelo seu guia, o seu peito cortou a linha. Teresinha, enleada no escuro, esperou. Ganhaste! Teresinha, ainda com a venda, beijou o homem que a conduziu. Teresinha Guilhermina tornou-se, naquele exacto momento, num ícone. Teresinha tem uma pele levemente de chocolate. Teresinha tem corpo de safira e de esteta. Teresinha é guiada porque a cegueira é total. Teresinha é pernambucana. Teresinha, não importa como és. És um ícone. E um ícone, mesmo na bruma, chora, mesmo que não veja, porque lhe disseram que o hino e a bandeira são as coisas mais amadas da terra onde se nasce. Em Pernambuco e no Brasil. Uma pepita escorreu-lhe então pela face, enquanto a bandeira sobe e o hino fez levantar o Estádio Olímpico. E entretanto, a multidão saúda Teresinha, que apesar de ser brasileira, é a mulher cega mais rápida do mundo. É quanto basta para o estádio fazer de Teresinha um ícone.
Ellie Simmonds saiu da câmara de chamada e logo a multidão grita: - G.B…GB… Ellie saúda os 15.000, (Que digo? 15.000 para ver nadar anãs e homens sem pernas ou braços!), que enchem o complexo de piscinas. Solta o roupão e sobe ao bloco. Retesa o metro e quarenta. Escuta e reage. Mergulha e faz o percurso subaquático. Primeiro controla. Depois aproxima-se. De seguida passa e comanda. GB…GB…É o delírio. Nada como ninguém. É uma máquina apurada. Chega e bate na parede para parar o cronómetro. Recorde do mundo. A piscina chora. A piscina grita. Tanto, que temos de tapar os ouvidos. GB…GB…A anã Simons, confirma-se como um ícone do desporto britânico. E um ícone, nunca poderá ser esquecido. E por isso, na festa final, quando passou, fugaz pelos ecrãs gigantes do estádio olímpico, a multidão gritou oh…oh…, que é modo como os britânicos saúdam os que amam.
Nada, aparentemente, temos a ver com estes ícones, evidentemente. Contudo, saibamos que ícones como estes fazem muito bem à saúde dos povos, porque os torna mais sérios e exigentes. E é exactamente, por aqui, que começam as nossas penas. Porque, em regra, o nosso grau de exigência, como nação, é muito baixo. Bem sei que por hora, ainda não é de exigência que se fala, mas da raiva ao Gaspar. Contudo, convêm referir, que apesar de Teresinha e Simmonds, competirem no mundo da deficiência, disseram-nos que ali, também, com trabalho, exigência e rigor, se pode chegar à condição de ícone. Em menos tempo, aliás, do que o tempo que levamos na nossa condição de camelos. Porque bem vistas as coisas, perguntemos então, quem votou, afinal em Gaspar? Não foram nem Simons nem Teresinha, mas os eternos camelos, que o são há muito mais tempo do que o tempo que levam Teresinha e Simons de exigência e treino. E por isso, nunca um camelo chegará, tal como Teresinha e Simons, à condição de gente.

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