domingo, 14 de dezembro de 2008

Histórias de mineiros (VI)

Augusto Alberto

O conhecimento da mina, de todos os seus segredos, fazia dos “intivadores” um corpo de homens com extrema responsabilidade. Do seu melhor trabalho resultava sempre maior confiança para aqueles que haveriam de vir depois: - os mineiros.
Dos seus braços moídos, das suas mãos calejadas e gretadas saíam golpes de precisão com a “enxó” no aparelhamento da madeira que iria escorar os tectos e as paredes das galerias.
Estavam num desses trabalhos, no escoramento de um tecto, numa posição deveras incómoda, trabalhando de baixo para cima. Suavam, martelando e serrando as enormes pranchas de madeira. De volta e meia paravam para respirar fundo e sobretudo para endireitar as costas e o pescoço que de tanto inclinado para trás lhes doía fortemente.
Depois da madeira cortada e devidamente encaixada era pregada a golpes rijos de martelo, que ao bater produzia um som gutural que ecoava pelas galerias a dezenas de metros.
A um dado momento era necessário levantar um toro de madeira pesadíssimo com uma resistência soberba, que aguentasse o pesado tecto de madeira. Houve que o segurar a força de braços para evitar que o toro rodasse ainda mais e viesse a aleijar alguém. Era um pedaço de madeira que metia respeito. Os homens aplicaram toda a sua força por longo tempo e o toro foi aguentado e metido no respectivo lugar.
Os homens suavam, recuperavam do enorme esforço, mas o “intivador”, esse ficou entalado entre o toro e a parede. O músculo saltou fora do lugar e suportava dores horríveis.
“Os meus companheiros
– diz-nos um mineiro – sentaram-no, massajaram-lhe o braço e conseguiram aliviar momentaneamente a dor”. E o “intivador” continuou, depois de aparentemente recuperado.
O dia chegou ao fim. O regresso à superfície fez-se como sempre, lento e aos sobressaltos.
O braço maltratado repousou durante a noite sem deixar de latejar.
Pela manhã o “intivador” nem sequer pensou em não descer à mina.
Era arriscado, mesmo muito arriscado a recusa em descer ao interior da mina, mesmo que se estivesse doente ou aleijado. De imediato vinham as censuras ríspidas, os maus tratos, por vezes os castigos, que por norma se traduziam em perdas de horas de trabalho.
Andou três meses – diariamente descendo à mina, subindo à superfície. Diariamente cortando e pregando. Diariamente sofrendo. E o músculo magoado, fora do seu lugar, mirrou, perdeu resistência.
Ao cabo desse tempo o “intivador” não aguentou mais. Consultou um médico que o mandou de imediato operar.
E hoje ele diz: - “Se fosse de imediato tratado teria ficado com o braço forte como dantes. Mas como só fui operado passados três meses, já foi tarde. É como vê. O músculo está completamente deformado e o braço hoje já não é o que ontem foi”.

6 comentários:

Fernando Samuel disse...

É assim o capitalismo.


Um abraço.

dona tela disse...

Fiquei impressionada. O meu pai conta-me histórias dessas.

Muitos cumprimentos.

Anónimo disse...

É preciso é urgente mudar o sistema, camarada!
Abraço

Anónimo disse...

Não é assim o capitalismo. Foi assim num país subdesenvolvido, de regime ditatorial e com um povo demasiado pacífico e sem instrução.

alex campos disse...

Não é assim? Então é muito parecido. Na imprensa de hoje vem a noticia de que dois milhões de portugueses vivem com 12 euros por dia............!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Fernando Samuel disse...

É assim o capitalismo, de facto.
Já o era quando dominava Portugal auxiliado por um regime fascista: é-o hoje, dominando Portugal auxiliado por um regime de democracia burguesa.