A mesa de madeira simples, repleta de uma família numerosa, eram a única riqueza do mineiro. Os seus filhos esquálidos e com nítidos sintomas de subnutrição; barrigas ovalizadas, por uma alimentação carenciada de elementos fundamentais. Encostados lado a lado, irrequietos na sua fome crónica, com ar de meninos que nunca foram meninos; rotos, pés descalços, cabelos desgrenhados, com chagas maltratadas, lá estavam esperando o prato magro.
Eram quadros comuns e constantes: para o mineiro, dramáticos.
Trazia pouco, que o vencimento era curto e nem sequer dava para esticar um poquinho que fosse.
De cada vez que se abastecia era-lhe dado uma senha ficando a outra na “cooperativa”. E quinzenalmente, quando do vencimento, as contas com a “cooperativa” eram saldadas logo no escritório da companhia.
Saldadas as contas, pouco restava ao mineiro. Na maior parte das vezes nem tostão recebia, o mesmo que dizer que continuava o deficit com a “cooperativa”. Deficit que se prolongava para muitos. Ficavam como devedores quase vitalícios.
Mas a história não se ficava por aqui. Havia também o gamanço. “A gente não via as contas. Éramos roubados sem piedade. Íamos para a tasca e nem um copo de vinho podíamos pagar a um amigo, tal era a miséria – recorda em tom amargurado o mineiro.
Era a dependência total. A companhia decidia da vida.
O vencimento limitava os gastos e os gastos limitavam o convívio social. Um convívio social qualitativamente pobre, feito de conversas de tasca, com os corpos encostados ao balcão ou de cotovelos cravados no tampo de madeira suja e com odor a vinho.
Depois havia a providência social.
O mineiro acidentado ou muito doente, mas só mesmo muito acidentado ou muito doente, baixava ao hospital ou à sua cama.
Nos primeiros três dias o mineiro nada recebia e daí em diante passava então a vencer uma quantia muito reduzida.
O mineiro e a companheira percebiam que naquele momento se abatia sobre a família maior desgraça, maior fome.
Havia então a retracção na compra de produtos na “cooperativa”.
Os armários simples e vazios, de uma nudez empoeirada e enegrecida eram bem a imagem da fome constante.
A companheira era assediada pelos filhos de estômagos doridos. Pouco tinha para lhes dar: côdea magra e negra. Para o companheiro, magro e de olhos encrustados na face, a impotência patente em o contentar com uma refeição de que ele bem necessitava.
Era assim a vida madrasta do mineiro.