Augusto Alberto
Foi bonita a festa de inauguração de mais uma superfície do Ikea. O Presidente do Concelho de Loures exultou, porque o Concelho e o Ikea deram emprego a mais de quatro centenas de pessoas, creio, escolhidas de entre muitos milhares de candidatos. Ouvi dizer, na TV, que cerca de 70% das pessoas empregadas tem formação superior. O vencimento rondará os 600 Euros base/ mês. Ora cá está uma bela notícia, porque nestes tempos de atávica crise, sempre amortece.
Em 1971, comecei a longa caminhada pela estrada da vida, em plenos anos de chumbo do marcelismo. Fui um entre alguns de um pequeno grupo, que um dia à porta do refeitório do quartel onde estava a fazer a especialidade militar, decidiu mobilizar a companhia num protesto contra a guerra, usando como sábio argumento, pensámos, um levantamento de rancho. Será escusado dizer que os anos a seguir da minha vida militar, foram de chumbo. Nunca recuei, nem quando sentado perante um capitão com fama de mau, separado de mim pela mesa simples e quadrada, me perguntou se mantinha tudo o que antes tinha dito. Sem pestanejar, aos 21anos, reafirmei-lhe tudo que tinha dito e tinha feito. Ainda hoje recordo a forma como num jacto se levantou e de dedo espetado, me gritou, você está fodido porque está a tentar atirar um governo abaixo. Com certeza, mas sem arrependimento. Sem arrependimento caminhei para a prisão e dai deportado para Moçambique, e sem arrependimento esperei que me topassem logo que chegasse são e salvo à “metrópole”. Mas felizmente, muitos da minha geração e das anteriores, fomos salvos de mais incómodos, pela madrugada que nunca se esquecerá.
É este cidadão, para lá dos 60, com uma longa folha de cidadania, que não se entrega e continua com o bom hábito de questionar, que reconhece que muitos dos da sua geração cederam e consentiram que ao longo dos anos se construísse uma geração, a de hoje, da emigração, como a dos avós e pais, do trabalho meio escravo, mal pago, sazonal e precário, do recibo verde, dos jovens que querem ser independentes mas não podem e logo voltam ao colo dos pais. Dos que com formação superior, abrem e fecham caixas ou enchem prateleiras, apesar dos muitos custos e canseiras às famílias, porque as rendas são altas, os custos da alimentação e das sebentas são enormes e porque o estado, sem dinheiro, diz, obrigou ao tecto máximo no pagamento das propinas. Este estado que é atávico, porque não gasta onde deve gastar, mas gasta onde não deve, como, por exemplo, na construção de uma quantidade de estádios de futebol, que hoje são um estorvo para os municípios, alguns já expostos à possibilidade da solução mais drástica, a implosão, trata assim os seus filhos. E é exactamente por tudo isto e por muito mais que um pequeno texto não pode comportar, digo, que esta minha muito amada pátria nem sequer merece que se abane, nem que seja uma pequena bandeirinha a favor da sua estimada e elegante selecção nacional de futebol profissional, porque para muitos, e para muitos dos melhores de nós, não é mãe, mas continua uma espécie de puta, que se abre a uns e fecha a muitos. Isto penso eu, que num dado momento, julguei que a pátria do fado, futebol e Fátima fosse só uma recordação. Outros pensarão de modo diferente. Justíssimo! De todo o modo, não foi necessariamente para isto que muitos de nós se cansaram, porque não esqueço, que voltamos a permitir que os nossos filhos e os nossos netos, por omissão, voltassem às velhas agruras.
Não há modo de me entregar, chamem-me os nomes que entenderem, porque, está confirmado, a choldra anda ai em hotéis de luxo e a 800 euros por dia, contra os 600 euros por mês dos que abriram o Ikea de Loures. Quem sabe, se destes, alguns tem os rebentos na Universidade.